MotoGP versus Superbike


Uma tem “o cara” e é a principal categoria do motociclismo mundial. A outra não tem “o cara”, nem é a principal categoria do esporte, mas a seu favor tem o equilíbrio dentro das pistas e, a cada dia que passa, tem se tornado muito atrativa para as grandes fabricantes de motos. Falo da MotoGP — e seu “cara”, Valentino Rossi, claro — e da Superbike.


Numa olhada superficial, ambas são bem parecidas. Nem parecem tão distantes assim. Mas neste caso a primeira impressão não é a que deve ficar. As motos de uma categoria e de outra têm concepção absolutamente diferente. Houve uma época em que os carros da Fórmula 1 se pareciam com carros superesportivos de rua da época. Foi assim na década de 1950, com os Mercedes-Benz “flechas-de-prata”, que dominaram a categoria em seu nascedouro. Depois, surgiu a exigência para que os carros tivessem os pneus descobertos e com ela vieram as “baratinhas”, com seu formato de charuto.

Por motivos óbvios, o mundo da motovelocidade não conseguiria diferenciar suas categorias a esse ponto. Mas a proibição de recursos aerodinâmicos exagerados na principal categoria também impede que as motos se diferenciem a ponto de serem percebidas pelo grande público.

Tecnicamente falando, não há nem comparação entre as duas: a MotoGP está a anos-luz da Superbike. Não é para menos. A MotoGP é a equivalente à Fórmula 1 no mundo das duas rodas. Seus protótipos são verdadeiras obras de arte na busca pelo desempenho — e tem sido assim desde 1949, quando surgiu o campeonato mundial. Assim, materiais especiais, como fibra de carbono e titânio, são amplamente empregados nessa procura por aceleração e velocidade, que torna a MotoGP o ápice da tecnologia no mundo das motos.

Por seu lado, a Superbike, surgida apenas em 1987, está mais próxima das motos de rua. Ela usa as motos que qualquer um de nós poderia ter na garagem, bastando para isso uma conta bancária recheada. Claro, elas são preparadas para alcançar o máximo possível de desempenho, mas não estão tão longe de poder andar na rua. Numa comparação com o mundo dos carros, seria como um Porsche ou Ferrari preparado para correr na classe GT3, por exemplo. Com o acréscimo de alguns itens, como luzes e retrovisores, as motos da Superbike poderiam desfilar com tranquilidade pelas ruas da cidade, sem riscos de ter a brincadeira interrompida pelo primeiro policial que aparecesse. Por seu lado, a MotoGP teria dificuldades já para parar na primeira esquina, da mesma forma que um Fórmula 1 teria. Afinal, seus freios de carbono não funcionam em baixas temperaturas...

Por essas naturezas distintas, a diferença de desempenho também é significativa. Mesmo as motos da Superbike tendo motores com maior           cilindrada (até 1.200 cm³ contra 800 da MotoGP) e potência equivalente, não conseguem o mesmo desempenho da categoria principal. Assim, uma média de dois a três segundos por volta entre as motos das duas categorias pode ser observada nos circuitos que recebem tanto MotoGP quanto Superbike — os de Assen, Donington Park, Valência e Phillip Island. E não há nenhuma dúvida quanto a qual é a favorita dos entendedores do assunto: o sonho de qualquer piloto de motovelocidade é chegar à MotoGP, da mesma forma que o sonho máximo dos pilotos de monopostos é a Fórmula 1 e qualquer piloto de rali sonha com o Mundial de Rali, WRC. 

Contudo, as fabricantes de motocicletas não têm pensado assim: têm preferido apostar na Superbike. Marcas tradicionais como Aprilla e BMW entraram na categoria nesta temporada e a KTM deve estrear no próximo ano, fazendo com que sete fábricas tenham participação na categoria. Por outro lado, a Kawasaki fechou sua equipe oficial na MotoGP nesta temporada e, a cada ano, há o temor de que mais fabricantes — como a Suzuki e até a Honda — possam deixar de competir na principal categoria.
Erros
É uma decisão difícil para as fabricantes deixar um campeonato com tamanha exposição como a MotoGP. Mas, num momento em que as vendas caem devido à crise mundial, a dificuldade financeira de criar um protótipo caríssimo — chegam a custar alguns milhões de euros cada moto — é um forte motivo para deixar a categoria. Mas não é o único motivo: a confusão entre política, economia e técnica que a Federação Internacional, a FIM, e a Dorna, empresa promotora, têm feito nos últimos anos na MotoGP também entram na conta. 

A era MotoGP começou em 2003. Era a tentativa da FIM de colocar os pés de seu principal campeonato no chão novamente. A categoria principal do Mundial de Motovelocidade vivia uma grande crise por falta de relevância no mundo real das motos. E, naquele momento, a Superbike também aparecia como principal rival. Afinal, as motos de 1.000 cm³ a quatro tempos eram praticamente as mesmas vendidas nas concessionárias, enquanto já que não se encontrava no mercado havia muito tempo motos esportivas com motores de 500 cm³ a dois tempos, especificações técnicas máximas permitidas pelo regulamento de Motovelocidade até então. Então houve a proposta de uma categoria de protótipos com motores a quatro tempos de 1.000 cm³. Era a MotoGP. 

A criação da categoria atraiu o interesse de fabricantes como a Ducati           e a Kawasaki, que se juntaram a essa nova fase, além de causar aumento dos investimentos de fabricantes que pareciam um tanto desinteressadas pela categoria, como a Yamaha e a Aprilla. Somadas à Honda, que era a força dominante da categoria, e à Suzuki, que foi a campeã na temporada de 2000, pareciam que formariam o campeonato dos sonhos. Nem todas se deram bem nas novas regras, mas a situação mudou bastante. E, da “Fórmula Honda” que se via no Mundial de Motovelocidade, pelo menos três fabricantes surgiram como grandes forças da categoria. À Honda se juntaram Yamaha e Ducati, que têm dominado as ações nos últimos anos. 

Agora, porém, o problema é político e econômico. Os custos da MotoGP explodiram nos últimos anos e, com equipamentos cada vez mais refinados, tendem a aumentar ainda mais, reduzindo os grids de forma dramática. Não fosse a decisão da Dorna em custear grande parte do programa privado da antiga equipe oficial da Kawasaki, transformando-a na Hayate, haveria apenas 17 motos no grid. Foi o que afugentou a BMW, que aportou na Superbike apesar de ser uma grande anunciante da MotoGP — é fornecedora do carro de segurança da categoria, por exemplo. E é o que tem ameaçado a presença da Suzuki, que conseguiu a renovação de seu principal patrocinador na última hora. 

A Dorna poderia sugerir medidas para buscar ampliar os grids. No entanto, o que a promotora tem feito é desagradar as possíveis postulantes a entrar na categoria. Como foi feito ao alterar a categoria de acesso à MotoGP. A criação da Moto2 a partir de 2010, com motores de 600 cm³ a quatro tempos em substituição aos de 250 cm³ a dois tempos, desagradou profundamente as participantes das categorias de formação, como o grupo Piaggio (dono da Aprilia, Derbi e Gilera) e a KTM. Mas, segundo a imprensa europeia, a formação da nova categoria ocorreu por pressão da Honda. Depois, por coincidência, os japoneses também ganharam a concorrência para fazer os motores da nova categoria — os chassis terão fabricação liberada, mas os motores serão monomarca.

E, se a KTM e a Piaggio tinham alguma pretensão de um dia investir mais e entrar na categoria principal, a Dorna fez o favor de fechar a porta para essas pretendentes. As duas também aportam e investem na Superbike, que agradece e vê seu grid com sete fabricantes (Ducati, Honda, Yamaha, Suzuki, Kawasaki, Aprilia e BMW), esperando a chegada da austríaca KTM para o ano que vem.

Assim, a categoria principal definha e sua popularidade fica cada vez mais atrelada à de Valentino Rossi — que cada vez mais se mostra interessado em curtir novos ares, ameaçando partir para uma aventura no WRC, com a Fiat, ou até mesmo para a Superbike. Será que a MotoGP conseguirá se reinventar novamente na busca pela sobrevivência? É o que os fãs da motovelocidade esperam.

Por Márcio Kohara

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